A. Introdução:
1. Em reunião pública de diretoria realizada no dia 15 de outubro, a ANEEL deliberou sobre a abertura da Consulta Pública Nº 25, em continuidade à Audiência Pública Nº 1 de 2019, com o objetivo de obter subsídios e informações adicionais referentes às regras aplicáveis à micro e mini geração distribuída para elaboração de minuta de texto à Resolução Normativa Nº 482/2012 (“REN482”) e à seção 3.7 do Módulo 3 do PRODIST.
2. Na NOTA TÉCNICA N° 0078/2019-SRD/SGT/SRM/SRG/SCG/SMA/ANEEL (“NT78”) são expostas as leituras das contribuições dos agentes para a etapa anterior de consulta, bem como a atual proposta da ANEEL para o objetivo supracitado.
3. Cabe destacar que a ANEEL, ao realizar sua avaliação e conseguinte proposta por meio da NT78, não faz distinção entre as modalidades de geração distribuída em sua plenitude (conforme delimitado na REN482), restringindo a análise entre sistemas de geração distribuída de compensação local e compensação remota.
4. O presente documento é uma contribuição conjunta dos principais agentes que atuam no fomento de sistemas de geração distribuída incluídos na modalidade de Geração Compartilhada, uma das formas de aplicação da Geração Remota, e visa expor os argumentos desses agentes, bem como busca sensibilizar a Agência a avaliar as especificidades da Geração Compartilhada em diferenciação ao modelo de Autoconsumo Remoto.
B. As modalidades de Geração Distribuída e a Capacidade Instalada
5. A REN482 prevê a possibilidade de aplicação da geração distribuída através de quatro modalidades distintas: i. Geração local; ii. Autoconsumo remoto; iii. Geração Compartilhada e; iv. Empreendimento de Múltiplas Unidades Consumidoras (EMUC).
6. Dessas quatro modalidades, duas foram implementadas pela Resolução Normativa ANEEL Nº 687/2015 (REN687), sendo elas a Geração Compartilhada e o EMUC;
7. A presente revisão da REN482, entre outros motivos, foi suscitada pela preocupação da Agência com o forte crescimento da potência instalada, em patamares superiores ao que se previa anteriormente pela Agência.
8. Entretanto, ao estratificarmos melhor os dados, podemos perceber que as duas modalidades cridas pela REN687 não perceberam referido crescimento. A tabela abaixo, extraída da base de dados da ANEEL, segmenta a potência nessas modalidades.
9. Do total de potência instalada, aproximadamente 1.700 MW, menos de 30 MW estão associados às novas modalidades da REN 687, representando menos de 2% do total de geração distribuída no Brasil.
10. Nesse sentido, é importante nos atentarmos para o fato que nem todas as modalidades de geração distribuída cresceram conforme previsto. Inclusive, cresceram de forma bastante inferior ao esperado, apesar de promoverem importantes benefícios elétricos, sociais e ambientais, especialmente no caso da Geração Compartilhada, de forma ampla para todos os consumidores brasileiros, conforme detalharemos a seguir.
C. Os benefícios da Geração Compartilhada
11. A criação da Geração Compartilhada foi uma inovação importante da ANEEL na medida em que a Agência fomentou positivamente o movimento de empoderamento do consumidor e democratização do acesso à produção própria de energia por todos os brasileiros, especialmente, os consumidores que formam a base da pirâmide social.
12. Isso decorre do fato de que, antes da Geração Compartilhada, o acesso a sistemas de geração distribuída era restrito às famílias (ou comércios) que possuíssem imóveis com disponibilidade de área de telhado, onde esses imóveis fossem próprios e com acesso a crédito para aquisição dos sistemas.
13. Especialmente quando analisamos a base da pirâmide social, sabemos que muitas famílias moram em prédios (o mesmo para comércios em galerias comerciais), moram de aluguel (ou empresas que alugam o ponto comercial) e não possuem acesso a crédito.
14. Ao criar a Geração Compartilhada, a ANEEL permitiu que famílias e comércios se enquadrassem nessa categoria fazendo-se uso de sistemas compartilhados junto com outras famílias e comércios em um contexto contemporâneo de economia colaborativa. Assim como hoje nos acostumamos a dividir espaços em veículos privados, a disponibilizar quartos em nossas casas, podemos também dividir sistemas de geração distribuída, mitigando questões técnicas, proporcionando economia de escala e atingindo o objetivo de democratizar o acesso aos sistemas.
15. Ao mesmo tempo, famílias que moram de aluguel por não ter recurso para aquisição do imóvel próprio, famílias com baixo poder aquisitivo e sem acesso a crédito para comprar seu sistema próprio podem passar a alugar uma parte de sistemas de geração distribuída participando de uma cooperativa, em compartilhamento dos benefícios junto a demais entes que estejam na mesma situação.
16. Paralelo às características de poder aquisitivo e disponibilidade de área, trata-se de um perfil de consumidor que não domina o assunto de geração de energia e, tampouco, possui conhecimento ou confiança de assumir a instalação e a operação de sistemas de geração distribuída.
17. Adicionalmente, de forma direta, assim que esses consumidores participam de um sistema de Geração Compartilhada, eles passam a perceber uma economia em uma despesa que, quanto menor a renda (ou faturamento) da família (ou comércio), mais relevante percentualmente é essa economia e, portanto, maior o impacto social que a economia na conta de luz trará.
18. Como a geração distribuída é, intrinsecamente, um mecanismo de expansão do setor elétrico de forma descentralizada, os efeitos são percebidos nacionalmente, tanto para os consumidores quanto para as economias locais, que passam a ser impactadas em função da reversão das economias das famílias (ou comércios) diretamente onde essas famílias residem (ou comércios operam).
19. No caso das famílias, a economia será revertida em consumo alimentício, despesas com saúde, vestuário, entretenimento, entre outros itens de consumo que giram a economia local, levando a fomento de empregos, aumento de renda e giro da economia local.
20. No caso dos comércios, a economia será revertida em reinvestimento no negócio, novas contratações e aumento da competitividade dos pequenos comércios frente a grandes grupos com maior escala, também fomentando o giro da economia local.
21. O modelo de Geração Compartilhada foi reconhecido internacionalmente por entidades certificadoras de impacto social e ambiental, sendo que os projetos relacionados a esse modelo foram capitaneados pelas empresas signatárias deste documento.
22. Em tempo e por fim, cabe destacar que a Geração Distribuída não está apenas associada à energia solar fotovoltaica. Nesse sentido, considerando as características técnicas de aplicação de outras fontes de energia (i.e. biogás), os sistemas geradores não possuem escala para aplicação individualizada, fazendo com que a Geração Compartilhada seja também um instrumento de democratização do tipo de fonte energética.
D. O impacto das alterações sugeridas
23. Apesar da ínfima representatividade e dos benefícios aqui mencionados, é importante ressaltar que as alterações propostas na NT78 inviabilizam por completo a modalidade de Geração Compartilhada.
24. Isso pode ser percebido diretamente pelos cálculos da própria ANEEL, especialmente, quando ajustamos esses cálculos às especificidades que a Geração Compartilhada possui. Entre elas, pode-se citar a não aplicabilidade de convênios fiscais nos estados brasileiros (exceto para o caso de Minas Gerais) e as complexidades e custos envolvidos nos modelos associativos permitidos hoje pela REN482.
25. Por ser a Geração Compartilhada uma modalidade ínfima do ponto de vista de potência, os signatários deste documento entenderam por bem expor respeitosamente o potencial democrático desse modelo, bem como vêm, a seguir, sinalizar pontos de atenção para que essa modalidade não seja inviabilizada por completa.
E. Propostas para Geração Compartilhada
E.1. Segregação da avaliação das modalidades de geração remota
Por entender que a Geração Compartilhada é diferente do Autoconsumo Remoto, seja pela penetração atual, seja pelo tipo de consumidor que se beneficia, e/ou pelos benefícios proporcionados, entendemos que é importante a ANEEL realizar uma avaliação específica para Geração Compartilhada, separando as análises e conseguintes conclusões/sugestões entre essas modalidades.
E.2. Prazo de manutenção das regras atuais
Conforme minuta de Resolução disponibilizada no Anexo III da NT78, projetos em desenvolvimento, com protocolo de solicitação de acesso realizado antes da publicação da referida revisão, seriam enquadrados até 2030 nas regras de compensação atualmente vigentes (Alternativa 0), conforme transcrito abaixo:
“Art. 7º-D Até 31 de dezembro de 2030, não se aplicam as disposições do §4º-B do art. 4º e do §3º do art. 7º-A para as unidades consumidoras com microgeração ou minigeração distribuída conectadas até a data de publicação desta Resolução.”
Buscando manter um ambiente que preserve a segurança jurídica e a previsibilidade regulatória, entendemos que é importante não afetar os desenvolvimentos que estão em andamento, mantendo, portanto, o prazo de 25 anos de vigência da alternativa atual de compensação.
E.3. Critério para manutenção das regras atuais
Os projetos de Geração Compartilhada, especificamente, possuem um prazo de desenvolvimento mais amplo, passando por atividades de prospecção e regularização fundiária, desenvolvimento ambiental (licenciamento e autorizações de supressão), estruturação jurídica dos modelos associativos identificados na REN482 (atualmente, consórcios e cooperativas), estruturação da participação financeira de agentes financiadores, interface com a concessionária de distribuição para realizar a solicitação de acesso, entre outras atividades. Todas essas etapas acabam implicando em horizontes próximos de 12 meses entre o início da estruturação do projeto até que o mesmo esteja apto para início da construção.
Nesse sentido, entendemos como positivo e concordamos com o critério sugerido pela ANEEL para definição da linha de corte para aplicação do disposto no Art 7º, replicado a seguir:
“§2º As disposições deste artigo também se aplicam aos empreendimentos que tenham protocolado, até a data de publicação desta Resolução, solicitação de acesso contendo todos os documentos listados na Seção 3.7 do Módulo 3 do PRODIST.”
E.4. Critério para desconsideração das regras atuais – Troca de Titularidade
Para modelos de Geração Compartilhada, por tratarmos de consumidores da base da pirâmide social, de pequeno porte, é comum que ao longo do tempo de vida útil dos equipamentos do sistema de geração ocorra a troca dos consumidores que irão se beneficiar das cotas de potência do sistema compartilhado. Nesse sentido, gostaríamos de ressalvar a indicação feita no “Capítulo IIII – do Período de Transição, Art 7º, Parágrafo 3º, Inciso II, replicado a seguir (grifo nosso):
“ §3º As disposições deste artigo deixam de ser aplicáveis caso, após a publicação deste regulamento, haja:
I – aumento da potência instalada da microgeração ou minigeração distribuída;
II – troca de titularidade da unidade consumidora com microgeração ou minigeração;
III – encerramento da relação contratual com a distribuidora; ou
IV – comprovação de ocorrência de irregularidade no sistema de medição atribuível ao consumidor.”
Tal contribuição inviabilizará a aplicação da Geração Compartilhada pelo exposto supra. Nesse sentido e entendendo que não é o objetivo da ANEEL inviabilizar a Geração Compartilhada, nossa sugestão é alterar o texto de duas formas:
i. vinculando a troca de titularidade na unidade consumidora onde o sistema de geração está localizado e;
ii. retirando a aplicação do critério “i.” caso a troca seja entre empresas de mesmo grupo econômico ou entre uma empresa e um instrumento jurídico de modelo associativo da geração compartilhada (cooperativa, consórcio ou condomínio civil voluntário). Conforme mencionado, como o projeto de geração compartilhada possui um prazo mais longo e, antes de ser emitido um Parecer de Acesso, não faz sentido realizar a abertura de uma empresa ou um Instrumento de Geração Compartilhada. É comum que as empresas que tomarão a iniciativa de desenvolver os projetos o façam em nome de uma empresa “mãe” e, após a confirmação de viabilidade técnica do projeto, por meio do Parecer de Acesso, realizem a criação de um novo Instrumento Jurídico que será detentor da unidade consumidora.
Nesse sentido, a sugestão de texto ficaria conforme:
“ §3º As disposições deste artigo deixam de ser aplicáveis caso, após a publicação deste regulamento, haja:
……
II – troca de titularidade da unidade consumidora, aonde se encontra o sistema de geração, com microgeração ou minigeração, desde que esta troca não seja entre empresas de mesmo grupo societário ou entre Instrumentos de Geração Compartilhada definidos nesta Resolução (cooperativa, consórcio ou condomínio civil voluntário)
…..”
E.5. Período de Transição e Gradualidade
Ainda no tema da segurança jurídica e previsibilidade regulatória e considerando, mais uma vez, que os projetos de Geração Compartilhada possuem um prazo de desenvolvimento maior, gostaríamos, respeitosamente, de sugerir duas considerações:
i. Que exista um período de adaptação para a norma entrar em vigência. Ou seja, a revisão da REN 482 seria realizada dando publicidade às regras futuras, mas a sua vigência se daria de forma efetiva posterior a um prazo após sua publicação, o qual sugerimos entre seis e doze meses.
ii. Que, independente da alternativa de compensação a ser aplicada, que exista gradualidade para se atingir essa alternativa, sem que sejam promovidas alterações abruptas e seguindo boas práticas internacionais. Nesse sentido, em linha com contribuição feita anteriormente pela ANEEL, sugerimos que se promova um gatilho de penetração para migrar entre alternativas e que esse gatilho seja segregado entre as modalidades de compensação existentes na REN 482. Considerando os diversos estudos já realizados internacionalmente, sugerimos um critério de penetração de mercado com base no consumo de energia elétrica do mercado cativo de 5%.
E.6. Metodologia de Compensação
Cada empresa participante deste grupo de empresas irá contribuir no quesito da metodologia de compensação de forma individual. Entretanto, entendemos que a discussão da modalidade de aplicação, após o atingimento do referido gatilho, deva ser concentrada na discussão do uso das redes elétricas, isto é, entre as Alternativas 0 e 2.
E.7. Simplificação dos modelos associativos
Conforme mencionado anteriormente, um dos entraves para a aplicação da Geração Compartilhada diz respeito à limitação dos tipos de instrumentos jurídicos que permitem a associação entre os consumidores.
Neste sentido, entendemos como positiva a sugestão de permissão do Condomínio Civil Voluntário como forma de associação. Esse modelo traz simplificações, é de fácil entendimento para os consumidores que possuem pouco conhecimento do setor e, em conjunto com os modelos já previstos, ajudará a fomentar a Geração Compartilhada.
Em tempo, uma importante alteração que auxiliaria o desenvolvimento desse modelo diz respeito à possibilidade de permitir colocar as titularidades das unidades consumidoras que se beneficiarão do sistema de geração em nome do instrumento jurídico utilizado, seja ele um consórcio, cooperativa ou um condomínio civil voluntário.
Ao nosso entender, trata-se de uma medida administrativa simples que requer pouca alteração regulatória, mas que poderia ter impacto relevante para catalisar o modelo de Geração Compartilhada de forma ampla no Brasil.
F. Considerações Finais
Certos de que a ANEEL será sensível à Geração Compartilhada, considerando suas especificidades e que, pelas propostas atuais, esse modelo será inviabilizado, agradecemos pela abertura ao diálogo e nos colocamos dispostos a contribuir da forma que for necessária.
Atenciosamente,